segunda-feira, 14 de junho de 2010

.

"Tem que fazer sentinela... na sua vida."
(Fábio de Melo)


Depois que desligou o telefone ela ficou se perguntando seriamente porque ficou com ele.
Não pela primeira vez, mas depois disso. Porque tinha deixado que ele estivesse presente em sua vida, como uma sombra, por tanto tempo, aceitando o que ele dizia "Podemos ser amigos, não vejo problema nenhum nisso". Um ano. Um ano permitindo que ele despejasse em seus ouvidos as tantas mentiras, coisa que ele sabia fazer muito bem, a começar por essa da amizade.

Ela não fazia questão da presença dele, não sentia nada em especial por ele ou por algo que ele tenha feito e não compreendia mais o esforço em aturá-lo, pensando que talvez ela estivesse sendo chata demais.

Seu corpo nada expressava quando ele a tocava, no seu abraço ela não se sentia mais feliz, mais tranqüila, nada. Ela, que era tão atenta às datas não se lembrava da data do primeiro encontro, do primeiro beijo. Ah o beijo, tão importante numa relação, que a fez ter certeza no primeiro dia que o beijou que aquele não era nem de longe o homem de sua vida.
Não entendia porque ele tinha gostado e pior que isso, ela não entendia como ele podia acreditar que ela também tinha gostado. O inferno era isso, ele acreditava piamente que ela era apaixonada por ele, mesmo ela falando claramente o contrário.


Ela: Qual a dificuldade em entender que acabou, se é que existiu alguma coisa?
Ele: Qual a dificuldade que você tem em assumir que me ama e parar de me tratar tão mal?


Ele não era bonito, não era engraçado, não era bem humorado, não era simpático, não era esperto, não tinha charme, não era tão inteligente quanto acreditava ser.

Além de não ser, prá ela, ao menos uma dessas coisas que às vezes atraem e poderia fazê-la se apegar para tentar um relacionamento, ele era machista, era racista, tinha dificuldade em elogiar, mais dificuldade em motivar qualquer pessoa, não aceitava seus erros, mas sabia muito bem como apontar os erros alheios.

Justo ela que abominava os seres arrogantes e egocêntricos.

Agora ela sabia que nem aquele primeiro beijo deveria ter existido, mas é que na época, ela bem se recordava, ele se apresentou exatamente o oposto do que é. Felizmente não se pode encenar um personagem por muito tempo.

Ela se recordava de tudo isso naquele momento, não por saudade, tristeza ou arrependimento, mas porque o tal, mesmo com uma nova namorada, não parava de lhe telefonar através de número não identificado e enviar e-mail com declarações de amor, com convites para programas variados e perguntas sobre sua vida.

Desistiu de tentar fazê-lo entender o que realmente significava pra ela, respirou aliviada por não se permitir mais tempo ao lado dele e fez uma prece para que da próxima vez que ela se encontrar com alguém assim querendo fazer parte de sua vida, oferecendo qualquer coisa em nome do amor, que ela reconheça à distância e não lhe permita sequer uma tarde na sorveteria.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

.do que é importante

“Nós acreditamos em Deus. Acreditamos no ser humano.
Acreditamos que nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos!”


Chovia no sábado pela manhã, o que me fez pensar em adiar meu compromisso e dormir pelo menos até às 09hs. Mas decidi não ser tão irresponsável e cheguei, depois de três conduções até o local onde deveria estar.
Era uma casa de recuperação, sem muitos recursos, sem frescura.
É sem frescura... Porque depois de entrar em um lugar assim, você começa a enxergar um monte de coisa que até então era considerado importante como apenas frescura.

E que bobagem falar nisso, está todo mundo cansado de saber que existem casas aos montes por aí em condições precárias, que existem casas de repouso onde os velhinhos são tratados com descaso, orfanatos onde as crianças só esperam um pouco de carinho, e blá blá blá.
Mas já que eu fui, senti, vivenciei e estarei com eles uma vez por mês, enquanto eu puder, quero falar sobre, como se não fosse um assunto “batido”, como se não fosse algo que a gente sabe que existe, se convence que não há nada a fazer, agradece por ser apenas um visitante e não um morador de lá e pede prá que nunca venha a ser.

Nossos olhos se encontravam, eu querendo saber quem eles eram, e eles querendo saber quem eu era. Eu querendo saber seus nomes e eles me perguntando, entre suas falas confusas por cigarro, por bombom, por boné. Assim como suas palavras e seus gestos, meus pensamentos estavam também confusos. Aos poucos nos adaptamos à presença um do outro e eu fiquei me questionando: “O que eu não gostaria de perder?

Perder não é algo agradável, perder sempre remete ao negativo. Bom mesmo é ganhar, acrescentar, aumentar. O fato é que cada pessoa, em algum momento da vida, por melhor que acredite ser, vai perder alguma coisa ou alguém. Perde o ônibus, perde o namorado, perde o campeonato. Perde o emprego, perde a carteira, perde a chance. Perde o cartão, perde a última sessão, perde a vida.

O que Você não gostaria de perder, de jeito nenhum?

A maioria daquelas pessoas que encontrei, tinha perdido tanta coisa... Entre elas, tinha perdido a condição de conviver na sociedade sem supervisão. Tinha perdido o direito de ir e vir, mas porque se as deixassem ir elas se perderiam no caminho, elas se machucariam ou machucariam as outras pessoas, tinham perdido o direito de planejar o amanhã.

Perder-se de si mesmo, não ter controle sobre suas vontades, não saber onde está, não saber quem é a pessoa ao seu lado, quem é você mesmo. Perder a noção dos dias, afinal de contas, os dias ali, me disse uma senhora, eram praticamente todos iguais.
A casa era de recuperação, nome mais simpático que foi dado ao que se chamava de hospício. Agora não me pergunte as chances de recuperação que uma pessoa pode ter em meio a tantas perdas, as suas e as dos outros.
São pessoas conscientes. Mas cada uma, consciente do seu próprio mundo apenas.

Encontrei algumas que eram conscientes do mesmo mundo que eu e você, talvez até mais conscientes que nós dois juntos. Encontrei outras que prá mim, até teriam entrado bem ali, mas se perderam em meio a tantos diferentes mundos, ficou difícil saber qual era o mundo real... "Há uma tênue linha entre a loucura e a lucidez."

Não, não tem moral da história, nem poderia ter.

Eu só me pergunto e te pergunto: “O que você não gostaria de perder por nada desse mundo?”

Eu espero que seja algo realmente importante assim como a dignidade e a lucidez, que eu andei procurando pelos cantos daquele lugar.

Chovia no sábado a noite, o que me fez pensar em como aquela senhora dormiria, naquele quarto gelado com várias outras camas enfileiradas, um cheiro forte de urina, com as vozes que gritavam e nada diziam, e com uma goteira bem ao lado da sua cama.